segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Perigo aviário em Fortaleza

Com a ocupação desordenada da cidade, há a produção de lixo em áreas próximas ao Pinto Martins, atraindo aves

No Montese, as casas em frente ao Aeroporto Pinto Martins, convivem com sacos plásticos, restos de comida, de animais e lixo no chão que causam mau cheiro e atraem aves


Para quem vive nas proximidades do Aeroporto Internacional Pinto Martins, a existência de pontos de lixo traz medo. Afinal, com tanta sujeira, a costureira Rosameire Santos, 38 anos, não esconde o receio de que os filhos adquiram doenças e, sobretudo, que aconteçam acidentes com as aeronaves. "Fico com medo de que os animais, como os urubus, que vêm comer os restos de comida e dos bichos, batam nos aviões. Depois, eles ou as aves podem cair em cima das casas. Os aviões descem tão perto da gente...".

A relação das aves com o lixo, feita por Rosameire, pode até parecer exagero ou desconhecimento, mas não é. Segundo os dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), as colisões entre aves e aviões é um problema recorrente em vários aeroportos do País, e do mundo.

Riscos

Em Fortaleza, entre 1985 e 2009, ocorreram cerca de 100, conforme o artigo "Perigo Aviário em Aeroportos do Nordeste do Brasil", publicado em julho de 2010 pela Revista Conexão Sipaer, da Cenipa.

Nele, os autores Weber Novaes e Martin Alvarez, constataram que, só no Nordeste, 899 ocorrências aconteceram em dez aeroportos, nessa época. Destes, 121 foram apenas em 2009. Das colisões, diga-se de passagem, os urubus-de-cabeça-preta foram os responsáveis por 319 acidentes, correspondendo a 65,1% de frequência. Para Novaes e Alvarez, a expansão desordenada das áreas do entorno dos aeroportos é, exatamente, um das principais causas.

Em Fortaleza, a situação não se distingue. Basta dar um volta por bairros próximos ao Pinto Martins, para perceber a construção de residências no entorno, bem perto dos pouso das aeronaves. Nelas, expostas nas vias a céu aberto, são visíveis a produção de lixo e a disponibilidade de comida, que atraem aves, principalmente os urubus.

No Montese, por exemplo, os moradores em frente ao aeroporto, como dona Rosameire, deparam-se, apesar da coleta, com a presença de animais, como cachorros e porcos mortos, restos de comidas, mau cheiro, enfim. "Minha ideia é me mudar daqui, pois é muita catinga, doenças. As pessoas jogam toda hora lixo no trem. O negócio é arranjar outro lugar para morar", queixa-se a dona-de-casa Flávia da Silva, 42 anos.

Como reconhece o superintendente regional da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), Fernando Nicácio Cunha Filho, há uma tendência natural de o crescimento das cidades acontecer em direção aos aeroportos, já que, geralmente, eles são construídos afastados dos centros urbanos. A partir daí, segundo comenta, desencadeia-se uma série de problemas como a atração das aves. O ideal, é que fosse obedecida a chamada Área de Segurança Aeroportuária.

Por conta dela, deve haver uma distância de 20 quilômetros do aeroporto, de espaços utilizados como depósito de lixo, entre outros. A Capital cearense, como critica o professor de Gestão Econômica e Ambiental da Universidade de Fortaleza (Unifor), Albert Gradvohl, não vem considerando os princípios técnicos relativos ao seu crescimento urbano e ambiente, amparado no artigo 225, da Constituição Federal.

"A falta de um Zoneamento Ambiental, que discipline de forma compatível o desenvolvimento urbano, tem provocado invasões nos mais diversos tipos de áreas, inclusive, perdendo de vista a função social da propriedade, e a proteção e preservação, total ou parcial dos espaços ambientais".

Conforme a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), a geógrafa Clélia Lustosa, a ocupação no entorno do aeroporto por populações vulneráveis ocorre em razão da presença de terrenos vazios, de áreas verdes.

Drenagem

Nesses locais, geralmente alagados, sem rede esgoto ou coleta de lixo, há o favorecimento de dejetos, que atraem roedores e pássaros. Esse crescimento se identifica como as cidades informais. "Elas buscam a proximidade de fontes de renda e ocupam áreas desvalorizadas, vazios urbanos que se transformam em área de risco de acidentes naturais e problemas sociais", atribui a geógrafa.

Dessa forma, como o Pinto Martins fica próximo ao centro urbano e de habitações inseridas em áreas de risco, além de perto de terrenos desocupados, que recebem lixo, Gradvohl alerta que tende a gerar uma cadeia alimentar.

O chefe do setor de Fauna do Instituto Brasileiro do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)em Fortaleza, Daniel Machado, acrescenta que o habitat dos animais também passou a ser ocupado, eles ficam em contato direto mais com as pessoas, à procura de alimento e abrigo. O que traz mais prejuízos à fauna, pois geralmente é morta.

Consequências

100 Colisões entre aves e aeronaves civis já foram registradas em Fortaleza, pelo Cenipa, no período de 1985 e 2009. No Nordeste, já ocorreram 899 em dez capitais

65% Dos acidentes foram causados pela colisão com os urubus-de-cabeça-preta, que são os mais comuns nas ocorrências registradas nos aeroportos em todo o Brasil

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